O mercado de capitais vem demonstrando maior maturidade após o desenvolvimento acelerado nos últimos oito anos. A realocação e a reprecificação de ativos vêm sendo dinâmicas, respondendo à interação entre os tomadores de recursos e os investidores, em razão do cenário macroeconômico.
O ambiente de juros altos, além de ser um teste de estresse natural, trouxe atratividade para as modalidades de renda fixa, com os mercados de renda variável e ativos híbridos atuando no sentido inverso.
No ano passado, as emissões de títulos de renda fixa, que pagam um rendimento ao investidor em troca do capital emprestado, somaram 6% do PIB, o triplo do observado em 2016, quando as emissões alcançaram 2% do PIB. Do outro lado, saímos de um pico de 2% do PIB de emissões primárias e secundárias de ações em 2020 para fechar 2024 com apenas 0,2% do PIB. Nos ativos híbridos, tais como os fundos imobiliários e os Fiagro, nos quais se investe em quotas de participações, a contração foi de 0,8% para 0,4% do PIB, no mesmo período.
É curioso ver uma grande disposição das firmas em realizar novas emissões, apesar dos juros em níveis historicamente elevados. Para entender isso, vale olhar para o mercado como um todo.
Os spreads de novas emissões debêntures incentivadas (isentas do imposto de renda) se reduziram bastante no ano passado, reflexo de um aumento da demanda por esses títulos maior do que a oferta. Houve casos de empresas classificadas com baixo risco, em que o custo de captação ficou abaixo do custo das emissões soberanas (Tesouro), cujos papéis são considerados livres do risco de crédito. Essa demanda veio em grande parte por uma captação líquida recorde de fundos de renda fixa (R$ 243 bilhões), que migraram de fundos multimercados (-R$ 356 bilhões) e de ações (-R$ 10 bilhões). As novas emissões de debêntures somaram R$ 470 bilhões em 2024, dos quais 28,5% foram atraídos por incentivadas.
Em outras palavras, o investidor optou por migrar de ativos considerados de mais alto risco (multimercados/ações) para ativos percebidos como mais controlados (dívidas corporativas e fundos de crédito). Isso também é perceptível pela falta de aberturas de capital na Bolsa de Valores, nos últimos três anos. Vale destacar o interesse nos fundos de investimento em direitos creditórios (FDICs), que atuam como veículos de securitização, ou seja, a transformação desses recebíveis das empresas em produtos de investimento negociáveis a mercado. A securitização permite, assim, antecipar fluxos futuros de recursos, com uma taxa de desconto. Os FDICs captaram R$ 16 bilhões em 2024.
Por um lado, isso implica maior concorrência na captação de recursos, com maior diversidade de produtos, o que abre espaço para o capital bancário se aprofundar no crédito para pessoas físicas ou empresas de menor porte. Adicionalmente, a ampliação de agentes provedores de crédito aumenta a capacidade econômica de distribuir riscos, dissipando gradualmente riscos individuais. Nesse ponto, tem havido grandes avanços com empresas focalizadas nesses créditos especiais ou estressados (inadimplidos), com especialização na sua recuperação.
Por outro lado, essa nova distribuição vai demandar ainda mais maturidade por parte dos investidores, pois o mercado creditício como um todo ainda é menos líquido do que o mercado de ações, de modo que flutuações tenham implicações mais significativas nas carteiras das famílias. Olhando apenas para os fundos de renda fixa e FDICs, estes somam hoje cerca de 36% do PIB em estoque. Há 15 anos, esse número era 20%.
Nesse sentido, já existe algum movimento na indústria de fundos buscando se antecipar a essas flutuações. Hoje, fundos de crédito livre, sem limite de exposição a papéis privados, estão retendo cerca de 17,5% de caixa. Ou seja, têm procurado manter alguma liquidez para fazer frente a eventos inesperados. Dessa forma, diante de um movimento mais significativo de resgates, há um colchão preparado para evitar a necessidade de venda de ativos menos líquidos, a preços que, nessas ocasiões, costumam ser desvantajosos. Um provável aprendizado ocorreu com os eventos do início de 2023, quando o mercado reprecificou riscos, corrigiu spreads, mas seguiu adiante.
O mercado de capitais brasileiro passou por uma transformação significativa, consolidando-se como uma alternativa robusta e eficiente ao financiamento bancário tradicional. A expansão das emissões de dívida corporativa, o amadurecimento dos investidores e a diversificação dos agentes de crédito demonstram um ecossistema financeiro mais resiliente e sofisticado. Com a crescente concorrência na captação, adoção de tecnologias, avanços na regulação e na autorregularão e o necessário aprimoramento da gestão de riscos, o Brasil poderá avançar para um cenário no qual o mercado de capitais tenha um papel cada vez mais central no financiamento do desenvolvimento econômico.
Olhando para o futuro, essa evolução abre caminho para maior eficiência na alocação de recursos, novas oportunidades de investimento e um ambiente financeiro mais dinâmico e acessível, fortalecendo a base para o crescimento sustentado.
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