A discussão sobre a tributação de alta renda e das grandes fortunas não é exclusiva do Brasil. Vários países mundo afora buscam alternativas para tributar os mais ricos, mas poucos tiveram êxito. Os defensores das medidas apontam como argumentos equidade, justiça social, ampliação dos recursos para financiar programas sociais e redução da desigualdade. Por outro lado, os críticos da medida alegam que aumentar a tributação sobre os mais ricos pode trazer impactos para a atividade econômica do país, fuga de capitais e resultar num ambiente tributário mais complexo.
No Brasil, o debate é acalorado e precisa ser visto por dois ângulos. Em primeiro lugar é necessário fazer a distinção entre o aumento do Imposto de Renda proposto pelo governo federal como forma de neutralizar o impacto fiscal na proposta de isenção a ser dada para quem recebe até R$ 5.000 e o IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas), cujo debate ocorre aqui há algum tempo (inclusive com previsão legal na própria Constituição Federal de 1988) e que já é adotado em alguns países pelo mundo.
Vale lembrar que estamos longe de ter a maior alíquota de renda do mundo. De acordo com os dados do Austin Rating, o Brasil ocupa a 88ª posição entre 146 países na tributação do imposto de renda para pessoa física, com uma alíquota máxima de IR de 27,5%. A mordida do Leão é muito maior em países como Finlândia (56,95%), Dinamarca (56%) e Japão (55,97%). No entanto, além de salários elevados, a diferença é que a população entende que o tributo é devolvido na oferta de serviços públicos de altíssima qualidade. O que, evidentemente, não acontece no Brasil.
O que propôs o governo recentemente, como forma de atenuar o que se denominou pacote de cortes de gastos, foi o aumento da faixa de isenção do IR. E, para que isso não afete os cofres públicos, irá, paralelamente, aumentar a incidência tributária sobre o rendimento salarial acima de R$ 600 mil anuais. Essa medida somente terá efeito concreto, caso aprovada pelo Congresso Nacional, apenas em 2026.
A proposta de aumentar o IR de quem ganha mais e isentar de quem ganha até R$ 5.000 traz duas preocupações. A primeira é que o Congresso acabe aprovando a isenção e não o aumento de tributação, acarretando ou um maior rombo orçamentários, num momento de extremo risco fiscal, ou obrigando o presidente a vetar a proposta, por ferir a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
O outro risco é que o aumento da faixa de isenção possa afetar diretamente os estados e municípios mais pobres, que adotam a parcela do FPE (Fundo de Participação dos Estados) e do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) com base na arrecadação. Melhor dizendo, se os entes subnacionais têm suas parcelas da arrecadação federal do IR medida por quanto contribuíram para a arrecadação total, aqueles com uma população que tenha rendimentos mais baixos e, portanto, mais pobres em comparação à outras cidades, terão uma participação menor nesses fundos.
Por fim, quanto à comparação efetiva da medida específica pretendida pelo governo federal, de aumentar a faixa de isenção do IR, aumentado a incidência sobre os salários maiores, não é possível ter a noção exata, uma vez que na maioria dos países desenvolvidos não há essa distorção tão grande entre os rendimentos da população, fazendo com que a tributação sobre o salário seja, em regra, igual para todos. Estaremos, assim, produzindo mais das nossas jabuticabas, com boas chances de não ter resultado efetivo e não representar uma forma de redistribuição de renda e justiça social.
Já o imposto sobre grandes fortunas não fica restrito aos ganhos salariais e incide sobre toda e qualquer renda do contribuinte, inclusive herança e ganhos financeiros. No Brasil, a ideia de instituir um imposto sobre grandes fortunas é antiga e inclusive está prevista no artigo 153 da Constituição Federal de 1988, dependendo de uma lei complementar para ser efetivamente implementada. No entanto, a medida jamais prosperou.
A última tentativa ocorreu no ano passado, através de uma emenda à reforma tributária. A proposta previa a taxação de patrimônios superiores a R$ 10 milhões, com alíquotas progressivas de até 1,5%, mas foi rechaçada pelos parlamentares. Os defensores da tributação defendem que o IGF seria uma medida essencial para reduzir as disparidades sociais e aumentar a arrecadação para fins sociais. Porém, isso não deu certo em outros lugares.
Alguns países do mundo adotam esse tipo de tributação, notadamente, Noruega e Suíça. Outros, como França, e aqui na América do Sul, Uruguai e Argentina chegaram a adotar, mas já revogaram. O motivo de países terem adotado e depois revogado é que esse tributo acaba resultando numa fuga de capitais, de forma que os detentores das fortunas migram suas riquezas para outras nações onde não há esse tratamento e, ainda, o fato de representar uma arrecadação bastante baixa, em comparação com a carga tributária geral daquela nação.
Os países que ainda adotam são aqueles, como se vê, em que não há grande desigualdade social, fazendo com que as grandes fortunas sejam bastante raras e elas acabam sendo tributadas até como uma forma de “castigo” para quem ousa ser mais abastado que o restante da população.
Assim, por qualquer viés que se olhe, o imposto sobre grandes fortunas possui um caráter muito mais de eventual justiça social do que de incremento arrecadatório, não tendo sido uma experiência exitosa no mundo, quanto a esse segundo aspecto.
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