O setor de energia está em ebulição com as perspectivas de aumento da demanda impulsionadas pela inteligência artificial. Em relatório recente, a IEA (Agência Internacional de Energia) celebra o ingresso definitivo na era da eletricidade, que vem com boas e más notícias: ainda que essa expansão não eleve proporcionalmente as emissões —graças ao avanço das fontes renováveis como solar, eólica e hidrelétrica— o aumento da competição por investimentos ameaça o Sul Global, onde o acesso ao financiamento é um desafio estrutural.
Estimativa do Independent High-Level Expert Group on Climate Finance, cujos números forneceram uma estrutura para a reunião da COP29, projeta que a necessidade de investimento global para ação climática é de cerca de US$ 6 trilhões por ano até 2030, aumentando para até US$ 8 trilhões até 2035.
Assim, a competição por investimentos se acirra. O custo do capital, que reflete o risco embutido nos investimentos, será decisivo. E os números não favorecem o Brasil: segundo a IEA, o custo do capital para uma usina solar de 100 MW aqui pode ser três vezes maior do que em economias desenvolvidas. Incerteza custa caro.
Além das taxas altas de juros, novo problema surge no cenário: o curtailment –cortes forçados de geração pelo ONS (Operador Nacional do Sistema) para garantir a segurança e estabilidade da rede elétrica. A indústria de renováveis contabiliza perdas superiores a R$ 1,5 bilhão em 2024 com o problema. Os geradores argumentam que esse custo não deveria recair sobre eles, alegando que, quando investiram, a alocação de riscos era diferente. Defendem que os consumidores absorvam o impacto. Mas essa solução elimina incentivos à eficiência e transfere o problema para quem já sofre com tarifas elevadas.
O desafio do curtailment não é exclusivo do Brasil. A infraestrutura elétrica (redes e armazenamento) não tem acompanhado o ritmo da expansão renovável, levando a cortes de geração em vários países. Esse é o caso da Alemanha (5%), Irlanda do Norte (30%) e China (mais de 3% no ano passado), com avaliação que o quadro não melhora antes de 2030. Na Europa, os preços ajudam a definir quais usinas serão interrompidas, garantindo maior previsibilidade. Por lá, preços negativos nos mercados de energia, cada vez mais frequentes, geram valor e incentivos para armazenamento. Por aqui, não temos esse mecanismo que dá sinais essenciais para a correção de rota.
No Brasil, 2024 foi um ano de expansão recorde, com solar e eólica representando cerca de 90% dos mais de 10 GW adicionados ao sistema. Subsídios, como o desconto à conexão na rede, explicam parte desse sucesso. Mas a infraestrutura de transmissão e o armazenamento não cresceram na mesma velocidade, agravando os cortes. Pior ainda: por aqui o sistema de preços não consegue dar sinais adequados para corrigir o problema, não estimulando modelos de negócio que viabilizem incentivos a investir na integração de baterias para reduzir os cortes de geração.
O curtailment não é apenas um sintoma, mas uma consequência da falta de coordenação entre a expansão renovável e a infraestrutura necessária para integrá-la. Urge repensar a arquitetura do sistema elétrico para garantir uma integração eficiente da geração renovável. Para isso, investimentos em redes e armazenamento são essenciais, assim como incentivos bem desenhados que alinhem riscos e garantam previsibilidade aos investidores. Corrigir esses problemas se torna imperativo para que o Brasil tenha condições de ganhar espaço na instalação de novos data centers. Ou enfrentamos essas barreiras de forma estruturada ou perpetuamos um setor caro e incapaz de sustentar seu próprio crescimento. Sem infraestrutura, não há ‘gigante pela própria natureza’: só potencial desperdiçado.
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