A decisão anunciada pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, de zerar o imposto de importação da sardinha, pegou integrantes do próprio governo federal de surpresa, devido ao impacto que a medida pode ter sobre o setor pesqueiro a sua indústria.
Um parecer de técnicos Ministério da Pesca e Aquicultura, a que a Folha teve acesso, foi encaminhado na terça-feira (11) ao Ministério da Agricultura com um alerta sobre o risco para a indústria das sardinhas enlatadas. O documento defende que a taxa de importação seja cortada apenas no caso das sardinhas congeladas.
A preocupação do Ministério da Pesca é que, se a sardinha enlatada importada se tornar mais barata, pode haver redução da demanda por enlatados produzidos internamente, afetando a indústria de transformação e de beneficiamento do peixe.
Há uma diferença grande entre o peso do imposto de importação das sardinhas congeladas e o tributo cobrado sobre aquelas vendidas em conserva (em lata). As primeiras têm alíquota de 10%, e as enlatadas têm taxa de 32%. Zerar a alíquota, portanto, significaria trazer um produto pronto do exterior com preço um terço menor.
No parecer, o Ministério da Pesca destaca alguns dados da cadeia produtiva e dos empregos atrelados à pesca da sardinha no Brasil. Ao todo, oficialmente, há 175 embarcações e cerca de 3.500 pescadores nessas atividades, além de 5.000 empregos diretos e 20 mil indiretos que atuam na indústria de conservas.
O ministério afirma que, embora a produção nacional de sardinha tenha aumentado nos últimos anos, o Brasil ainda depende da importação de matéria-prima congelada para complementar a produção utilizada na fabricação de enlatados, que é a forma mais popular de consumo no país. Por isso, a pasta defende a decisão de zerar o imposto de importação dos itens congelados.
“Essa medida pode ser especialmente vantajosa para as empresas pesqueiras e os consumidores, principalmente em períodos de baixos níveis de captura local, garantindo assim, o abastecimento”, afirma o Ministério da Pesca, no documento.
“Com tal medida, é possível manter o preço do produto mais baixo, permitindo maior acesso a esse recurso alimentar fundamental para a segurança nutricional da população economicamente mais fragilizada. Em anos de dificuldades na produção nacional de sardinha ou flutuações nos estoques pesqueiros, a isenção de impostos também atua como medida de apoio ao setor pesqueiro.”
Em contrapartida, o ministério chama a atenção para “o impacto negativo direto que a isenção de imposto de importação sobre sardinha enlatada pode ter na indústria nacional”.
O Ministério da Pesca chega a fazer, inclusive, uma sugestão de algo que não foi anunciado pelo ministro do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o vice-presidente Geraldo Alckmin. “Entende-se que zerar alíquotas de pescados mais populares e sem produção nacional, como polaca do Alasca, a merluza e o salmão, pode ajudar na redução da inflação”, afirma.
O cenário das importações dos últimos anos ajuda a explicar a preocupação da pasta da Pesca. Os dados do Ministério do Desenvolvimento mostram que o Brasil tem reduzido drasticamente a compra de congelados do exterior –embora esse tipo ainda seja a maioria– enquanto ampliou consideravelmente a importação dos enlatados.
Em 2022, o Brasil importou 76 mil toneladas de sardinhas congeladas. Esse volume caiu para 27,3 mil toneladas em 2023 e fechou 2024 com apenas 11,4 mil toneladas.
Já as sardinhas enlatadas saíram de 51 toneladas em 2022 para 128 toneladas em 2023. No ano passado, bateram 143,3 toneladas. Embora em menor quantidade em relação aos peixes congelados, elas custam mais. O Brasil gastou US$ 699 milhões com latas importadas de sardinhas em 2024.
A Folha questionou o Ministério do Desenvolvimento sobre que tipo de sardinha terá o imposto zerado. Por meio de sua assessoria, o ministério declarou que a lista de categorias específicas de produtos que terão as tarifas de importação zeradas “será definida na próxima reunião do Gecex (Comitê Executivo de Gestão)”, marcada para a tarde desta quinta-feira (13).
Ligado ao Mdic, o Gecex é o órgão responsável pela formulação e implementação de políticas relacionadas ao comércio exterior do Brasil. Sua estrutura faz parte da Camex (Câmara de Comércio Exterior), que coordena as diretrizes de política comercial do país.
As medidas anunciadas pelo governo para tentar conter a inflação dos alimentos, zerando impostos de importação, devem ser impactadas por problemas crônicos ligados à infraestrutura logística nacional, usada no escoamento de sua produção.
O ano começou com sinais de que terá mais uma safra recorde de soja, um cenário a ser comemorado. Acontece que essa mesma colheita tem consumido a maior parte dos caminhões disponíveis no país, comprometendo outras colheitas em andamento, além de refletir o aumento do preço do frete, puxado pelos ajustes recentes do óleo diesel.