Os vinhos de inverno conquistaram esta semana a sua primeira indicação de procedência (IP). Na segunda-feira (11), a Revista da Propriedade Industrial, publicação oficial do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), publicou o reconhecimento da IP Sul de Minas Vinhos de Inverno.
Gosto muito de vários desses vinhos e escrevo sobre isso no fim deste texto. Porém, primeiro vamos entender o que significa e qual a importância de uma IP. Assim como a DO (denominação de origem), a IP é uma indicação geográfica (IG), um selo que garante que um produto vem de uma determinada região e é feito segundo algumas normas, possuindo características ligadas à essa origem. Isso não é dado apenas aos vinhos. Os doces de Pelotas, por exemplo, possuem uma IP.
No Brasil, agora, há 13 indicações geográficas para vinhos, dois DOs e 11 IPs. A IP Sul de Minas é a primeira IP de vinhos de inverno. Vamos ver várias dessas surgirem nos próximos anos. Por que? Porque os vinhos de inverno representam uma revolução na produção de vinhos finos no Brasil.
Até o fim do século passado, só o Sul produzia vinhos finos no Brasil, principalmente, na Serra Gaúcha. Considerava-se que não havia condições climáticas para plantar uvas viníferas em outras partes do país, principalmente por conta do excesso de chuvas no verão, período do ano em que acontece a colheita das uvas. Nos últimos anos do século passado, no entanto, esse tabu começou a ser questionado.
Por volta de 1998 ou 1999, lembro que li uma reportagem sobre um estudo comparativo dos solos de São Paulo com os solos de regiões viníferas famosas da Europa. Pouco depois, fechei uma materinha sobre um sujeito que estava plantando uvas viníferas em São José do Rio Preto.
Anos depois, num festival de gastronomia em Pirenópolis, conheci o Marcelo Souza da Pireneus Vinhos e Vinhedos, um médico autodidata que fazia vinhos em Goiás. Baseado em leituras sobre o que se fazia na Índia, ele tinha invertido o ciclo da videira e colhia suas uvas no inverno, evitando assim as chuvas que inviabilizavam a produção da vitis vinífera.
Um pouco depois, comecei a ver surgir vinhos de Minas Gerais e de São Paulo. Fui investigar e fiquei sabendo do trabalho do pesquisador Murilo de Albuquerque Regina da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais). Regina desenvolveu um sistema de podas que garantiram a sustentabilidade da produção de vinhos finos em quase todo o Brasil.
Esse sistema é conhecido como dupla poda ou poda invertida e os vinhos, como vinhos de inverno. Isso tudo tem menos de 20 anos. A IP Sul de Minas vem agora coroar todo o trabalho de pesquisadores e produtores. Surgiu de uma iniciativa da Anprovin (Associação Nacional de Produtores de Vinhos de Inverno). Como seus associados estão espalhados por uma área muito grande, a Anprovin os agrupou em dez núcleos regionais e os encarregou de ir atrás das suas indicações geográficas. O núcleo do Sul de Minas foi o primeiro a ter sucesso.
Esses núcleos não foram agrupados aleatoriamente. Além da proximidade geográfica, buscou-se características comuns de clima, solo e relevo. No caso da IP Sul de Minas, todos os vinhedos precisam, por exemplo, estar a uma altitude mínima de 800 metros. As variedades permitidas são syrah, merlot, cabernet franc, cabernet sauvignon, marselan, tempranillo, petit verdot, pinot noir e grenache, para tintos e rosés. Para os brancos sauvignon blanc, chardonnay, viognier e marsanne.
A IP Sul de Minas ocupa uma área descontínua de 4239,6 km² e inclui os municípios de Cordislândia, São Gonçalo do Sapucaí, Três Corações, Três Pontas, São João da Mata, Campos Gerais, Boa Esperança, Bom Sucesso, Ibituruna e Ijaci.
Quando vi essa lista de municípios dei por falta de Caldas, onde fica a sede da Epamig, e um dos vinhedos da vinícola de Murilo, a Estrada Real. “Caldas não tem produção de vinho de inverno”, explicou o publicitário e engenheiro agrônomo Matheus Cassimiro Alves, que foi gerente executivo da ANPROVIN entre 2022 e 2024. “Os núcleos regionais são de produtores de vinho de inverno. Caldas, por ser uma região de altitude, tem produção de uvas finas no ciclo normal, de verão”.
Senti falta também de Andradas, Ritápolis e Prados. Todos municípios que sei serem sede de vinícolas. Matheus explicou que todas essas cidades pertencem a outros núcleos. Em algum momento, esses núcleos também se tornarão IPs. Estamos vendo nascer vinhos e regiões vinícolas próximas, mas com características próprias. Algo como acontece na Toscana (Itália), por exemplo, onde o chianti é diferente do brunello di Montalcino, que, por sua vez, é diferente do vino nobile di Montepulciano, apesar de todas essas denominações ficarem a poucos quilômetros de distância umas das outras.
Num jantar com os produtores, provei recentemente os vinhos da vinícola Bárbara Eliodora, de São Gonçalo do Sapucaí, vinhos que receberão todos a nova IP. Na degustação, havia três ótimos syrahs tintos, em diferentes estilos, mas todos com uma elegância marcante. Gostei especialmente do Syrah Leve, um vinho fresco, bastante frutado, sem passagem por madeira. E, o melhor, um dos mais baratos, R$ 138.
Poucos meses atrás, estive na Vinícola Alma Gerais, em Bom Sucesso, perto de Lavras. Eles apresentaram dois brancos de sauvignon blanc, produzidos de forma diferentes (um deles amadurece em concreto), ambos muito interessantes. Tomamos também um rosé de syrah delicado, fresco, muito gostoso. Os preços variam de R$ 168,00 a R$ 228,00.
Há muito tempo sou fã da vinícola Maria Maria, de Três Pontas. Estive lá uns seis ou sete anos atrás. Na época, eles produziam só sauvignon blanc e syrah (Já deu para reparar que essas são as duas variedades mais comuns na IP, né?). Ambos muito elegantes. Mais tarde, provei também o espumante. Delicioso. Uma coisa que, de cara me chamou a atenção no seus vinhos, foi o floral que aparece no syrah. Talvez essa seja uma marca da IP Sul de Minas.