Não sei se é impressão minha, a vista cansada, a sede insaciável nesse calorão abafado, mas me parece que as quantidades de vinho servido em taça nos bares e restaurantes de São Paulo estão cada vez menores.
É nos bares mais descolados e mais especializados que a mesquinharia me parece maior. Nos lugares menos afetados, é possível até pensar em chorinho, esse ícone da botecagem arte, da botecagem moleque, que é maravilhoso, mas nunca deve ser solicitado.
Outro dia, fiquei assistindo a vídeos com dicas de como parecer que se entende de vinho e, entre elas, estava segurar a taça pela haste e jamais pelo bojo, girá-la sem parar, servir pouco vinho de cada vez. Estaria aí a explicação: quem serve nos bares quer nos ajudar a parecer que manjamos muito dos paranauês do vinho? E assim vamos nos enganando juntos?
O difícil é que vinho anda caro demais. Para piorar, como dizem muitos do mundo dos restaurantes, sejam eles da baixa ou da alta gastronomia, a conta dos estabelecimentos não fecha e tantos seguem no ofício por amor à gastronomia, ao serviço e à hospitalidade. (É só pensar no preço da manteiga, outro dia quase enfartei ao ver 200 g por R$ 17.)
Para chegar perto de uma conta razoavelmente equilibrada, então, adotam a lei da compensação e, assim, para as margens de lucro subirem vemos o preço das bebidas acompanhar o movimento. Será por isso também que descem as margens na taça?
Tudo isso pode ser apenas impressão minha, afinal, vejo pouca gente aí usando um medidor. (E que alegria quando vejo! Um brinde ao Pipo!) Fica aqui a sugestão: que se adotem aquelas simpáticas garrafinhas marcadas com evidentes traços de mililitros. Se fosse prática comum, estaríamos aqui falando de outro assunto, algo menos choraminguento.
É verdade que deve haver outros vilões para além da sovinice do sommelier ou dos gastos da manutenção de um restaurante: as taças, enquanto recipientes, cresceram. Cientistas já mostraram que, em 1700, eram sete vezes menores do que são hoje; neste período de pouco mais de três séculos pularam de 66 ml para 449 ml. Uma garrafa no Brasil do século 18 poderia agradar 11 felizes colonizadores mesmo que as taças fossem enchidas até a boca. Hoje, são apenas cinco bebedores que dividem a garrafa.
O modo como as taças são preenchidas também mudou, com líquido até no máximo a metade. Sejamos otimistas ou pessimistas, não importa, todos veremos a taça apenas meio cheia. A parte boa é que há espaço suficiente para que o oxigênio entre em contato com o vinho e o ajude a evoluir e se revelar, mostrando mais aromas e nuances do que se tivesse aprisionado em míseros 66 ml.
A ciência nos diz que devemos beber menos. Mas o código do consumidor diz também que devemos receber pelo que pagamos. Se os preços das taças mais comuns, em São Paulo, vão de R$ 20 a R$ 80, eu quero beber cada centavo que sai do meu bolso.
Vai uma taça?
Nesta edição o foco são as promoções. Um tinto clássico e cheio de prazer, o espanhol Baron de Magaña (de R$ 340 por R$ 125 na Via Vini). Para a pizza, indico o tinto toscano L’Oca Ciuca Rosso 2020 (de R$ 175 para R$ 131,26 na Mistral). Para os modernos, o Longaví Glup Chenin Blanc (R$ 144 por R$ 93) é um bom par para uma mesa variada.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.