O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, comandado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, tenta convencer siderúrgicas e governo alemães a incluir o Brasil na produção de aço feito com hidrogênio verde. O movimento faz parte da estratégia do governo brasileiro de desenvolver a cadeia de valor do combustível do futuro e não exportar apenas o insumo energético para os europeus.
O hidrogênio verde é tido pelos europeus como a principal alternativa a combustíveis fósseis em setores ultraintensivos em energia, como a fabricação de aço, vidro e fertilizantes. Ele é feito a partir da separação das moléculas de água em um processo movido por energia limpa.
Há, porém, ainda pouca produção do insumo no mundo devido a seu custo elevado. No Brasil, a maior parte dos projetos visa exportação para a Europa, que deve abrigar o primeiro grande mercado do combustível.
Mas o governo brasileiro quer que os europeus importem mais do que o hidrogênio verde. Uma das soluções levantadas pelo Mdic seria a possibilidade de siderúrgicas alemãs importarem de fornecedores brasileiros o insumo intermediário em uma das rotas de produção de aço, conhecido como HBI (sigla para Hot Briquetted Iron).
Esse insumo é feito a partir da redução do minério de ferro com hidrogênio e sua produção antecede a fabricação de aço nos fornos elétricos –rota conhecida como redução direta. Hoje em dia, esse processo é feito com gás natural, o que acaba liberando carbono na atmosfera (gás responsável pelo aquecimento global). Já a rota mais tradicional na produção de aço usa carvão como redutor do minério, liberando ainda mais carbono na atmosfera.
Na primeira leva desse mercado, é provável que os europeus importem o hidrogênio verde do Brasil e que toda a produção de aço ocorra em solo europeu. Mas o governo brasileiro argumenta que essa logística traria custos superiores às indústrias do continente.
Isso acontece porque não há hoje formas acessíveis de transportar o hidrogênio para a Europa. Assim, o combustível precisaria ser convertido em amônia no Brasil e reconvertido em hidrogênio nos portos europeus –causando desperdício de energia.
Nessa lógica, o governo brasileiro tenta convencer os europeus de que é mais vantajoso importar produtos com maior valor agregado do que o próprio hidrogênio verde. Essa ideia foi discutida durante um evento na Embaixada do Brasil em Berlim nesta quinta-feira (20) organizado junto com o Instituto E+ –a Alemanha é a maior produtora de aço da Europa.
Um estudo feito por um pesquisador alemão e apresentado durante o evento apontou que as siderúrgicas alemãs podem economizar entre 8,7% e 31,5% se realocarem suas etapas de produção para países ricos em energia renovável, como o Brasil. A pesquisa leva em conta o consumo e o preço de energia nesses países e na Alemanha.
O cálculo considera a produção de aço semiacabado fora da Alemanha, um produto posterior ao HBI na cadeia do aço. No cenário de apenas produção do HBI nesses países, o ganho seria de 12,9%.
O estudo, publicado na revista Nature Energy, ainda fez análises para o setor de ureia e etileno. No caso do aço, ele observa que Brasil e Suécia seriam os principais potenciais países exportadores.
“Se a indústria alemã produzir um aço sustentável mais barato no Brasil, o custo de produção de BMW e Mercedes, por exemplo, será muito mais baixo. O Brasil tem a produção de minério de ferro e tem potencial de produzir hidrogênio verde, então qual é o sentido de exportar esses dois para depois importar?”, questiona Francisco Paiva Avelino, diretor de descarbonização do MDIC.
“A Alemanha não consegue produzir energia renovável o suficiente para dar conta da sua indústria. Então, se o objetivo deles é transacionar para uma economia verde e renovável, eles vão ter que procurar outros lugares onde essa energia é mais barata para produzir”, acrescenta.
Na Alemanha, porém, essa migração poderia trazer consequências políticas, inclusive já mensuradas pelo governo alemão e pelas siderúrgicas do país. É provável que o deslocamento de parte da produção alemã para outro país cause descontentamento de parte dos trabalhadores alemães, já bastante afetados com movimentações industriais causadas pela transição energética –principalmente no setor automotivo.
Quem participa de fóruns especializados diz que o governo alemão considera o tema estratégico para o país e que ao menos parte da produção de HBI precisa ser feita na Alemanha. O próximo primeiro-ministro da Alemanha, Friedrich Merz, aliás, é cético quanto à transição da indústria alemã para o hidrogênio verde e já defendeu a captura de carbono como alternativa.
Philipp Verpoort, o autor do estudo apresentado pelo governo brasileiro em Berlim, pontua que o governo alemão se preocupa com a possibilidade de os demais países desenvolverem suas cadeias de valor e se tornarem concorrentes das indústrias alemãs.
“A Alemanha é muito boa em engenharia, inovação, pesquisa e know-how, e o Brasil é ótimo em acesso à energia renovável, então há uma oportunidade de focar o que somos bons e terceirizarmos aquelas em que não somos. Mas então há uma preocupação da indústria e de políticos da Alemanha de que o Brasil, por exemplo, aprenda a avançar na cadeia de valor”, diz. “Portanto, o risco de uma reação política é bastante grande, mas é importante ter uma colaboração justa e estabelecer padrões justos e acordos comerciais justos”.
O jornalista viajou a convite do Ministério de Relações Exteriores da Alemanha