Se alguém pode ter uma visão de longo prazo sobre Donald Trump, é Li Ka-shing, o bilionário de 96 anos de Hong Kong que fugiu da guerra Sino-Japonesa quando criança e construiu um império global do zero.
O presidente dos EUA afirmou que “a China está operando o Canal do Panamá”, apontando para a atuação da empresa CK Hutchison em dois portos de lá, uma alegação que ecoa preocupações expressas pela primeira vez quando o grupo garantiu os contratos em 1997.
Na época, advogados panamenhos iniciaram um processo na tentativa de cancelar as concessões, enquanto o governo do Panamá faz auditagem do grupo.
O homem mais rico de Hong Kong, apelidado de “Superman”, construiu seu grupo abrangendo portos, varejo, infraestrutura e telecomunicações com investimentos estratégicos no ocidente.
Embora ele tenha enfrentado críticas por ligações com a China antes, inclusive na Austrália e no Reino Unido, o último ataque ocorre em um momento complicado. A empresa está sob pressão para aumentar suas ações —que caíram mais de 40% nos últimos cinco anos e tiveram desempenho inferior ao índice de referência Hang Seng de Hong Kong— e para usar seu caixa de guerra de mais de 130 bilhões dólares de Hong Kong (US$ 16,7 bilhões ou R$ 97,7 bilhões) para garantir aquisições maiores, como a Thames Water do Reino Unido.
Sua divisão de infraestrutura, CK Infrastructure, fez este mês uma oferta preliminar de 7 bilhões de libras (R$ 51,5 bilhões) por uma participação majoritária na Thames Water, rivalizando com uma oferta de 4 bilhões de libras (R$ 29,45) da firma de private equity americana KKR. Analistas antecipam resistência devido às suas ligações com a China. “Não descartamos a possibilidade de a geopolítica restringir os planos de expansão do grupo CK”, disse Lorraine Tan, diretora de pesquisa de ações asiáticas da Morningstar.
Li, que fugiu para Hong Kong, então sob domínio britânico, aos 12 anos, começou na fabricação de plásticos antes de expandir para o setor imobiliário e telecomunicações. A empresa em 2023 reportou um lucro de US$ 3 bilhões (R$ 11,6 bilhões) e é um dos maiores conglomerados de Hong Kong.
Como muitos magnatas de Hong Kong de sua geração, Li geriu sua empresa de forma diferente das da China continental, onde os negócios estão sujeitos a um controle governamental mais rígido. Mas desde a transferência do território para a China em 1997, as empresas de Hong Kong têm sido cada vez mais percebidas como chinesas, especialmente após os protestos pró-democracia em 2019 e a introdução de uma abrangente lei de segurança nacional no ano seguinte.
Em 2020, o governo Trump revogou os privilégios comerciais especiais de Hong Kong e disse que os EUA não consideravam mais a cidade autônoma da China. “Hong Kong costumava se beneficiar do melhor dos dois mundos”, disse uma pessoa em contato próximo com os conglomerados de Hong Kong, incluindo a CK Hutchison. “Agora [as empresas] estão presas na disputa entre os dois lados [China e o ocidente].”
Enquanto alguns magnatas de Hong Kong —especialmente aqueles com investimentos significativos na China— se aproximaram de altos funcionários de Pequim desde a transferência, Li e a CK Hutchison tiveram uma relação mais complicada. Li apoiou a nomeação do linha-dura apoiado por Pequim, John Lee, como líder de Hong Kong em 2022 e a introdução da lei de segurança nacional. Ele também afirmou seu apoio a Xi Jinping como líder da China e se encontrou com Xi várias vezes. Mas sua venda de várias propriedades imobiliárias na China gerou críticas da mídia afiliada ao estado, incluindo um artigo intitulado “não deixem Li Ka-shing fugir” em 2015.
Seu filho Victor, que lida com as operações diárias, foi removido em 2023 do comitê permanente do principal órgão consultivo político da China. “Eles [Li e sua família] precisam manter uma boa relação com Pequim e parecer como indivíduos ou empresas patrióticas”, disse Jean-Pierre Cabestan, pesquisador sênior do think-tank Asia Centre, com sede em Paris. “Muitos governos, particularmente o governo dos EUA, concluíram que qualquer empresa de Hong Kong é um agente do Partido Comunista Chinês, o que é obviamente falso, particularmente a CK Hutchison”, disse Cabestan.
Os investimentos de Li no ocidente continuam sendo fundamentais para o grupo. A CK Hutchison gerou mais da metade de sua receita de 2023 no Reino Unido, Europa e Canadá, enquanto menos de um quinto vem da China continental e Hong Kong. No Reino Unido, a família de Li controla a UK Power Networks, Northumbrian Water e Phoenix Energy. No ano passado, a divisão de infraestrutura comprou 32 parques eólicos no Reino Unido e lançou uma segunda listagem na Bolsa de Valores de Londres.
O conglomerado de Li e suas subsidiárias também operam a Eversholt Rail, a rede de telecomunicações Three UK, bem como a varejista de saúde Superdrug e o porto de Felixstowe, um dos maiores portos de contêineres da Grã-Bretanha. A CK Asset, sua divisão imobiliária, possui o grupo de pubs Greene King, um dos maiores do país. Alguns observadores e políticos esperam que sua potencial aquisição da Thames Water enfrente resistência.
O governo trabalhista deve se perguntar se é “certo [para] uma empresa de um estado estrangeiro, onde sua lei de segurança nacional exige que essas empresas façam o que lhes é dito… [operar utilidades estrategicamente importantes] e decidir se isso pode continuar ou não”, disse o ex-líder conservador Sir Iain Duncan Smith. “Minha opinião é que não deveria.”
Para a CK Hutchison, seu foco é usar seu “considerável caixa de guerra” para fazer novos investimentos, disse Tan da Morningstar. “Eles gostariam de voltar a ser bem-sucedidos em fazer aquisições mais significativas no futuro.” Aos 96 anos, Li Ka-shing está em boa saúde e retorna regularmente ao escritório no 70º andar de seu conglomerado. O grupo não respondeu a um pedido de comentário.
Uma pessoa sênior próxima a Li disse ao Financial Times que não havia “nada” que a empresa pudesse fazer sobre o fato de ser cada vez mais percebida como chinesa. Mas essa percepção “não deve limitar o que fazemos”, disse a pessoa. “Não podemos mudar quem somos”, disse a pessoa.