Comprar um freezer ou uma adega? Essa versão mais madura do dilema “não sei se caso ou se compro uma bicicleta” vinha me afligindo havia alguns meses. A mãe de família que ama vinho, afinal, está sempre sofrendo com problemas de armazenamento. Depois de uma conversa com Manoel Beato, sommelier do Fasano, acho que resolvi: vou de freezer.
Famoso por ser um poço de conhecimento e pelo olfato absoluto, Beato, quando percebe que não vai dar conta de uma garrafa inteira de vinho, prefere congelar o que restou. Isso mesmo: em vez das diferentes formas de fechamento de uma garrafa disponíveis no mercado, ele usa o freezer.
Uma vez, depois de uma festa, ele sobrou com uma garrafa de Bordeaux 1982, safra mítica de uma região célebre. Um tinto antigo assim evolui minuto a minuto depois de aberto e pode não resistir ao dia seguinte na geladeira. O sommelier não teve dúvidas: meteu no freezer. Segundo ele, poderia ficar congelado daquela forma por “meses e meses”.
Beato afirma que há muitas variáveis para que a coisa funcione (quantidade, idade, tipo, estilo, grandeza, etc.), mas em muitos casos notou que o vinho se conserva quase perfeitamente. Não que a geladeira deva ser desprezada: no caso dos brancos, ele os guarda ali por “semanas”, pois têm maior capacidade de resistência.
Resolvi experimentar a técnica. Antes de viajar para as festas de fim de ano, tinha na geladeira metade do ótimo rosé espanhol Naranjas Azules. O vinho foi morar no freezer até o meu retorno. Quando nos reencontramos e ele descongelou, estava diferente na aparência: cristais se formaram no fundo da garrafa. Fora isso, uma belezura.
A explicação para os cristais é simples: eram ácido tartárico, inofensivos (a menos que se morda, aí são desagradáveis) e comuns em muitos vinhos. Tanto que muitos produtores adotam um processo de estabilização a frio para que esses cristais se formem e sejam separados da bebida.
Outra experiência recente foi mais espontânea e menos feliz: esqueci um tinto ainda fechado no freezer (a ideia era só dar um grau antes de abrir). O líquido expandiu tanto que acabou expulsando a rolha, a cápsula e fez uma meladeira horrorosa. Quando descongelou, o vinho foi consumido, mas era a primeira vez que eu provava, ficou impossível comparar. Nota mental: nunca congelar uma garrafa fechada ou com pouco espaço para o líquido expandir.
Manoel Beato alertou que sua experiência era empírica e não científica e disse que tinha vontade de ouvir a opinião de enólogos ou cientistas como o português Luís Pato, que é produtor e também químico. Pois bem, fui lá e falei com ele – e encontrei uma ideia um pouco divergente. Pato desconfia do congelamento, mas acha que faz sentido com vinhos mais tânicos ou que têm mais sulfitos. Isso porque “o frio tem a capacidade de acelerar a oxidação e os taninos, os polifenóis, são antioxidantes, assim como os sulfitos”.
Dissonâncias à parte, a única certeza é que não se deve nunca congelar espumantes. Não tem perlage que resista ao frio abaixo de zero.
Vai uma taça?
Já que falamos de Luís Pato, o seu Maria Gomes (R$ 149 na Mistral) é floral e delicado, com toque cítrico. Mais gordinho é o Siegel Gran Reserva Viognier (R$ 74 na loja da Famiglia Valduga). Para quem leu Bordeaux acima e ficou com água na boca, o Château Bauvallon 2020 AOC Bordeaux (R$ 142 na Premium Wines) é um achado. Para uma sobremesa leve, o espumante Maraví Moscatel (R$ 59 na Wine.com.br) é bom na taça e no preço.
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