Os planos dos republicanos de eliminar quase todo o apoio federal dos Estados Unidos para veículos elétricos poderiam prejudicar a indústria nascente, dizem especialistas do setor automotivo, justamente quando mais americanos consideram comprar um carro elétrico e as montadoras planejam grandes investimentos.
“Tudo o que está acontecendo politicamente não poderia ter acontecido em um momento pior do ponto de vista da adoção de carros elétricos”, disse Ed Kim, presidente e principal analista da empresa de pesquisa de mercado automotivo AutoPacific.
Acabar com os créditos fiscais federais para elétricos, enfraquecer as regras de poluição de escapamento e cortar o financiamento para estações de carregamento —como o presidente Donald Trump e os republicanos do Congresso propuseram— desaceleraria as vendas e desencadearia uma onda de fechamentos de fábricas e cancelamento de investimentos, de acordo com pesquisadores.
Isso também levaria a emissões mais altas que aquecem o planeta, acrescentaram.
A maior fonte de poluição por gases de efeito estufa nos EUA é o transporte —principalmente de carros e caminhões leves, de acordo com a EPA (Agência de Proteção Ambiental dos EUA). Especialistas dizem que mudar de motores a gasolina e diesel para baterias é a melhor maneira de limitar os danos das mudanças climáticas, que se espera que deixem as pessoas mais doentes, as fazendas menos produtivas e os países mais pobres se não forem controladas.
Essas medidas atrasariam, mas não impediriam, a mudança gradual de carros e caminhões movidos a gasolina para veículos elétricos nos EUA. Mesmo sem qualquer apoio governamental, analistas dizem que os elétricos continuarão a “roubar” vendas de carros tradicionais.
Mas o ponto de inflexão quando os elétricos entram no mercado automobilístico mainstream dos EUA está se afastando, dizem os especialistas, e pode ter efeitos de longo alcance na economia e no meio ambiente.
EMISSÕES EM ALTA, EMPREGOS EM BAIXA
A administração Trump já sinalizou que eliminará as regulamentações de carbono sobre a poluição de carros e caminhões, e os republicanos no Congresso estão considerando eliminar os créditos fiscais federais para americanos que compram ou alugam veículos elétricos.
Essas políticas sozinhas poderiam reduzir as vendas de elétricos nos EUA em 40% em 2030, eliminar a necessidade de todas as fábricas de montagem planejadas e colocar até metade das fábricas existentes em risco de fechamento, de acordo com uma análise recente da Universidade Princeton.
Entre um terço e dois terços das fábricas de baterias em operação até o final deste ano estariam em risco de fechamento. A maioria dessas plantas está concentrada em distritos liderados por republicanos no Sul e no Centro-Oeste.
“Se você puxar o tapete da indústria, as coisas vão desmoronar, e muitos desses investimentos serão cancelados”, disse Jesse Jenkins, professor assistente de engenharia na Universidade Princeton e autor do relatório.
As montadoras já estavam recuando nos investimentos em elétricos em resposta a vendas mais lentas do que o esperado no ano passado.
A Tesla cancelou seus planos para um novo modelo barato após a queda nas vendas em 2024. Agora, enquanto o CEO da Tesla, Elon Musk, lidera a demissão em massa de trabalhadores federais pela gestão Trump, manifestantes protestam e às vezes atacam violentamente concessionárias da empresa.
A General Motors —a segunda maior montadora de veículos elétricos dos EUA, que prometeu vender apenas veículos leves elétricos até 2035— adiou planos para uma nova fábrica, vendeu sua participação em uma das três fábricas de baterias que construiu com a LG e adiou o lançamento de um novo Buick elétrico no ano passado.
Ford, Nissan e Volkswagen também cortaram gastos e adiaram ou cancelaram lançamentos de elétricos, e Volvo e Mercedes-Benz abandonaram planos de vender apenas carros e caminhões elétricos até 2030.
Enquanto isso, Trump também congelou o financiamento para a construção de estações de carregamento através do programa de Infraestrutura de Veículos Elétricos Nacionais (NEVI) e outros financiamentos para veículos elétricos através da Lei de Redução da Inflação e da Lei de Investimento em Infraestrutura e Empregos.
Se Trump e o Congresso abolirem permanentemente esse financiamento —além de acabar com os créditos fiscais para vendas de elétricos, carregamento e fabricação de baterias e bloquear a capacidade da Califórnia de definir suas próprias regras de emissões de veículos— carros e caminhões emitiriam 49 milhões de toneladas extras de poluição por carbono em 2030, de acordo com uma análise recente da Universidade Harvard.
Isso é aproximadamente tanta poluição quanto 115 usinas a gás emitem em um ano, de acordo com a EPA.
“Desacelerar a adoção de carros elétricos aumenta as emissões”, constatou Elaine Buckberg, pesquisadora sênior do Instituto Salata para Clima e Sustentabilidade da Universidade Harvard e ex-economista-chefe da GM, acrescentando que isso torna mais difícil “evitar as mudanças climáticas e seus efeitos.”
Embora os dois relatórios considerem cenários ligeiramente diferentes, eles chegam a conclusões semelhantes: Jenkins prevê que até 2030, poderia haver 8,3 milhões de carro elétricos e híbridos plug-in a menos nas estradas dos EUA do que haveria se as políticas federais fossem mantidas, enquanto Buckberg prevê que 9,9 milhões de veículos elétricos a menos estariam em uso.
Nenhuma das análises considerou o impacto das tarifas, que se espera que aumentem o preço de compra de um carro em milhares de dólares. É difícil prever o efeito na indústria de elétricos, disse Jenkins, em parte porque as ameaças tarifárias de Trump continuam mudando.
Preços mais altos provavelmente fariam os americanos pensarem duas vezes antes de comprar qualquer tipo de carro novo —mas como os elétricos são mais propensos a serem montados nos EUA do que carros movidos a gasolina, eles podem não ser tão prejudicados por barreiras comerciais, observou.
As barreiras comerciais existentes com a China —estabelecidas por Trump e aumentadas pelo ex-presidente Joe Biden— já estão mantendo modelos chineses mais baratos fora das estradas americanas e aumentando o preço da transição para os veículos elétricos
CAINDO DA “CURVA S”
Países onde os carros elétricos se popularizam —como Noruega, China e Islândia— geralmente seguem um padrão chamado de “curva S”. As vendas começam devagar, mas eventualmente atingem um ponto de inflexão e decolam depois que a indústria passa de alcançar um pequeno grupo de primeiros adotantes para entrar no mercado de massa.
Especialistas da indústria automotiva têm procurado sinais de que o mercado dos EUA está atingindo esse ponto de inflexão. No ano passado, os elétricos representaram 8,7% das vendas de carros novos, de acordo com a Kelley Blue Book. É difícil dizer se o mercado estava prestes a decolar: embora as vendas tenham aumentado constantemente, o impulso desacelerou em 2024.
De qualquer forma, especialistas dizem que esse ponto de inflexão estará mais distante nos EUA se o governo federal retirar seu apoio à indústria. Líderes de elétricos como Noruega e China ajudaram suas indústrias a decolar com subsídios e incentivos.
“Está claro com base nas evidências que não há ponto de inflexão, nenhum crescimento significativo do mercado, sem forte apoio político”, disse Gil Tal, diretor do Centro de Pesquisa de Veículos Elétricos da Universidade da Califórnia em Davis. Ele acrescentou que as vendas nos EUA provavelmente continuarão a crescer “por causa do enorme investimento feito nos últimos anos, mas não será uma curva S de forma alguma.”
Eliminar o crédito fiscal federal para comprar ou alugar elétricos seria o maior golpe para a indústria, de acordo com a análise de Harvard. O crédito é especialmente importante à medida que os vendedores tentam entrar no mercado de massa, onde os compradores de carros são mais sensíveis ao preço.
“Esse é o momento em que você precisa de incentivos mais fortes”, avaliou Jessica Caldwell, chefe de insights do site de compras e avaliações de carros Edmunds. Os primeiros adotantes que compram elétricos de luxo podem estar dispostos a pagar preços mais altos, disse ela, “mas a segunda onda de compradores precisa de mais convencimento.”