Foi divulgada, há algumas semanas, a leitura referente a janeiro de 2025 do índice de incerteza política/econômica global, desenvolvido pelos pesquisadores Scott Baker, Nick Bloom e Steven Davis. O valor atingido foi o mais alto já registrado, superando o pico anterior, em maio de 2020 (logo após a eclosão da pandemia). A série histórica mensal tem início em 1997.
Em números: o valor em janeiro deste ano foi de 460,2, acima dos 436,7 de maio de 2020. Como eles devem ser lidos? Bem, incerteza sempre existiu e existirá, em qualquer momento do tempo. Desse modo, esse tipo de indicador deve ser observado em termos relativos, buscando avaliar se estamos com um nível de incerteza atipicamente baixo ou elevado.
Na média de 1997 a 2019, esse indicador foi de 118,9. Já na média de 2024, foi de 249,8. Ou seja: tanto na comparação com o histórico mais longo como com o período mais recente, a incerteza subiu expressivamente e está hoje muito acima do que seriam níveis usuais. Os leitores já devem imaginar o que está por detrás disso. Sim, a eleição de Donald Trump e sua política econômica/geopolítica disruptiva, que pode estar jogando o mundo em uma situação de instabilidade semelhante àquela do começo do século passado (que levou a guerras mundiais, depressão econômica e por aí vai).
Como apontei antes, sempre há incerteza. Aprendemos, nos cursos de economia, que há uma diferença importante entre risco e incerteza: no caso do primeiro, tem-se uma boa ideia dos resultados possíveis, bem como de suas probabilidades (pense no lançamento de uma moeda); já no caso do segundo, resultados e probabilidades são… mais incertos!
A despeito dessa maior imprevisibilidade associada à incerteza, há distintos níveis. O que estamos vivenciando neste exato momento é algo muito atípico. E é atipicamente negativo: sabemos que níveis muito elevados de incerteza são paralisantes do ponto de vista do desempenho econômico. O primeiro componente do PIB a sofrer com isso são os investimentos realizados pelo setor privado: podem ser adiados, reduzidos ou mesmo cancelados.
Quando o investimento sofre, isso impacta o restante da economia negativamente, tanto no curto prazo como no médio e longo prazo. No curto prazo, investimento é demanda agregada e é um gasto com efeito multiplicador elevado sobre a economia (cada R$ 1 a mais de investimentos em ativos fixos gera outro R$ 1,50 via efeitos indiretos e induzidos, no caso brasileiro).
Além disso, no médio e longo prazo, o fluxo de novos investimentos, caso supere a depreciação do estoque de capital pré-existente, aumenta a capacidade de oferta de bens e serviços da economia, tanto pelo aumento em si das estruturas como pelos ganhos de produtividade que esses investimentos podem impulsionar. Ou seja: o chamado PIB potencial é maior.
Mas a incerteza atipicamente elevada também pode afetar as decisões de consumo, não só pelos efeitos indiretos negativos associados ao próprio impacto sobre o investimento como pelo maior receio dos agentes em se endividar para adquirir bens duráveis ou imóveis (já que a incerteza em alta turva ainda mais a expectativa de emprego e renda futura).
Infelizmente, a forte elevação da incerteza observada nos últimos meses não deverá ser revertida tão cedo. Vamos conviver com isso por pelo menos alguns anos.
E isso também traz uma implicação importante quanto às projeções econômicas dos analistas: em tempos de incerteza “na lua”, os erros tendem a ser ainda maiores.
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