J.D. Vance contou uma história engraçada no American Dynamism Summit, em Washington, na semana passada.
Ele relembrou um jantar no Vale do Silício de que ele e sua esposa, Usha, participaram, antes de se tornar vice-presidente, no qual o assunto era sobre máquinas substituindo humanos no mercado de trabalho. Segundo Vance, um presidente-executivo não identificado de uma grande empresa de tecnologia disse que os desempregados do futuro ainda poderiam encontrar propósito em jogos digitais totalmente imersivos.
“Precisamos sair daqui. Essas pessoas são completamente loucas”, Usha lhe disse em uma mensagem de texto enviada por debaixo da mesa.
Por que Vance achou uma boa ideia contar essa história é intrigante, dado que contradizia o tema central de seu discurso —mas pelo menos arrancou risadas. Como Usha Vance coloridamente implicou, a visão de mundo dos tecnolibertários e dos trabalhadores comuns parece ser antagônica. Mas a principal mensagem de seu marido era o oposto: que o setor de tecnologia e os trabalhadores comuns tinham um interesse compartilhado em promover o “grande renascimento industrial americano”.
O discurso de Vance foi uma tentativa clara de reconciliar as duas alas em guerra do movimento político do presidente Donald Trump: a oligarquia dos “tech bros” —ou “broligarquia”—, liderada por Elon Musk, e os nacionalistas Maga animados por Steve Bannon, que denunciou líderes tecnológicos globalistas como antiamericanos e descreveu Musk como uma “pessoa verdadeiramente má” e um “imigrante ilegal parasita”.
Vance declarou-se um “orgulhoso membro de ambas as tribos”. Ele pode estar certo ao afirmar que Musk e Bannon têm muito em comum, apesar de suas diferenças marcantes. Ambos são elitistas antielitistas com uma missão compartilhada de derrubar o poder do Estado administrativo e da imprensa tradicional.
Historiadores uma vez descreveram os três antigos Poderes como o clero, a nobreza e os plebeus. Um quarto Poder —a imprensa— foi adicionado posteriormente. E um quinto Poder —as redes sociais— surgiu desde então. Mas o quinto Poder pode ser visto como uma atualização de software do terceiro: plebeus armados com smartphones. Nessa visão, Bannon pode ser um tribuno do terceiro Poder enquanto Musk é um campeão do quinto. No movimento Trump, os dois se fundiram.
Em seu livro “The Fifth Estate” (“O Quinto Estado”), William Dutton argumentou que as redes sociais representavam uma nova e, em grande parte, positiva forma de Poder, permitindo que indivíduos acessassem fontes alternativas de informação e mobilizassem ação coletiva. Ele vê Greta Thunberg, a estudante sueca que emergiu como uma ativista ambiental global, como seu símbolo. “É a escala da tecnologia que muda o papel do indivíduo na política e na sociedade”, ele me diz.
Mark Zuckerberg, presidente-executivo da Meta, também declarou que o quinto Poder é um bem público global que dá voz aos outrora sem voz. “As pessoas terem o poder de se expressar em escala é um novo tipo de força no mundo”, disse ele em 2019.
Tudo isso soa ótimo na teoria. Mas os efeitos negativos das redes sociais tornaram-se cada vez mais evidentes: desinformação, incitação ao ódio e o surgimento de uma “geração ansiosa” de adolescentes. As redes sociais foram de uma tecnologia de libertação para uma de manipulação, que corroeu o processo político e foi sequestrada por populistas antiestablishment.
Um estudo com 840.537 indivíduos em 116 países de 2008 a 2017 descobriu que a expansão global da internet móvel tendia a reduzir a aprovação do governo. Essa tendência foi especialmente marcante na Europa, minando o apoio a governos incumbentes e impulsionando populistas antiestablishment.
“A disseminação da internet móvel leva a um declínio na confiança no governo. Quando o governo é corrupto, as pessoas têm mais probabilidade de entender que o governo é corrupto”, me diz um dos coautores do artigo, Sergei Guriev, agora reitor da London Business School.
Políticos populistas foram rápidos em explorar a insatisfação dos eleitores despertada pelas redes sociais e usar a mesma tecnologia para mobilizar apoio de maneira barata e interativa. “É normal que políticos antielite usem novas tecnologias que ainda não foram abraçadas pelas elites”, diz Guriev.
O quinto Poder certamente abalou os antigos guardiões da informação na política e na mídia. Mas surgiram novos guardiões digitais que controlam quem vê o quê na internet. O “primeiro amigo” de Trump, Musk, comprou o Twitter, agora X, que promove ou rebaixa postagens de maneira não transparente. Os absolutistas da liberdade de expressão que denunciam a moderação e a “censura” governamental muitas vezes estão encobrindo formas mais insidiosas de controle algorítmico.
Campanhas progressistas reconhecem que estão em desvantagem nas redes sociais, mas não perderam a esperança. “É mais importante do que nunca lutar pelo futuro. Precisamos usar essas ferramentas da melhor forma possível”, diz Bert Wander, diretor-executivo da Avaaz, plataforma global de campanhas financiada por crowdfunding.
Com 70 milhões de membros em 194 países, a Avaaz mobiliza ações contra a corrupção e faz campanhas por responsabilidade algorítmica, como incluído na Lei de Serviços Digitais da UE. “Precisamos nos comunicar em tecnicolor com toda a emoção e ressonância que os populistas nacionalistas usam”, diz Wander.
Para esses progressistas, três verdades revigorantes emergem desse debate. O poder do quinto Poder é uma força disruptiva que não vai desaparecer. Os populistas foram particularmente inteligentes em seu uso. E, para competir, os progressistas precisam urgentemente melhorar seu desempenho.