Nesta sexta-feira (21), o STF inicia o julgamento de um tema que pode afetar diretamente a tributação dos combustíveis e, consequentemente, os preços de todos os produtos comprados pelos brasileiros.
Trata-se do Recurso Extraordinário nº 1.362.742/MG (Tema 1258 de Repercussão Geral), que discute se distribuidoras de combustíveis podem manter o crédito do ICMS pago nas etapas anteriores da cadeia produtiva quando comercializam combustíveis para outros estados da Federação.
A Constituição Federal de 1988 prevê que o ICMS é um imposto não cumulativo, cabendo ao adquirente da mercadoria o direito ao crédito do imposto incidente na operação anterior para compensá-lo com o imposto devido na operação seguinte, salvo nos casos em que a operação seguinte é isenta ou não tributada.
Ocorre que o artigo 155, § 2º, inciso X, alínea “b”, da Constituição prevê que o ICMS não incidirá sobre operações que destinem a outros estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica.
Em alguns casos, os estados de origem das distribuidoras têm entendido que essa última disposição constitucional seria equivalente a uma não incidência pura e simples do ICMS, o que autorizaria o estorno do crédito do imposto da operação anterior.
No entanto, essa interpretação é completamente inadequada e conflita com a jurisprudência histórica do STF em relação a esse dispositivo. Com efeito, a Corte, há décadas, já sinalizou que o artigo 155, inciso X, da Constituição não é propriamente uma exoneração tributária, mas sim uma norma que determina que a competência para gravar essas operações é do estado de destino. Desde o julgamento do RE 198088, em 2003, e mais recentemente no Tema 689, o STF tem reafirmado que essa foi uma opção deliberada e consciente do constituinte para evitar que a arrecadação do ICMS ficasse concentrada nos poucos estados produtores desses bens.
Na prática, ao se autorizar que, em uma mesma operação interestadual, o estado de origem glose o crédito sobre o ICMS incidente na etapa anterior, enquanto o estado de destino cobra integralmente o imposto sobre o valor total da operação, permite-se, por via transversa, uma dupla tributação da mesma operação de combustível. Trata-se de uma bitributação disfarçada, no sentido amplo do termo, com a incidência do imposto em cascata.
Em última análise, dois estados acabam tributando a mesma operação e de forma cumulativa, frustrando duplamente os objetivos do constituinte: garantir a não cumulatividade e assegurar a tributação no destino desses produtos.
O impacto dessa inconstitucionalidade é enorme para a sociedade brasileira. Combustíveis são bens essenciais, que afetam o preço dos alimentos, do frete de mercadorias, do transporte público e de praticamente toda a economia. Qualquer indevido aumento da tributação repercute no preço do combustível e acaba pesando no bolso do consumidor, em um momento bastante sensível em que os índices de inflação preocupam a sociedade brasileira e a autoridade monetária eleva a taxa de juros a patamares bem altos.
Nos últimos anos, tem-se visto uma série de medidas para conter majorações tributárias e racionalizar a tributação dos combustíveis. Um exemplo foi a edição da Lei Complementar nº 194/2022, que considerou os combustíveis bens essenciais, alterou a forma de sua tributação e, inclusive, ensejou uma série de controvérsias federativas a serem dirimidas pelo STF.
A questão agora é ainda mais simples e consiste em cumprir a Constituição e reiterar a jurisprudência histórica da Corte sobre o ICMS nas operações interestaduais com combustíveis derivados do petróleo.
Do ponto de vista jurídico, o julgamento deveria ser singelo: não faz sentido impedir o uso dos créditos do ICMS pago anteriormente nas vendas interestaduais de combustíveis, já que essas operações são, sim, tributadas, ainda que no estado de destino.
O STF tem agora a oportunidade de corrigir essa distorção econômica e tributária, evitando que o consumidor brasileiro tenha que pagar mais essa conta.
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