Entre as lojas que compõem a eclética Gardner Street em Brighton, no Reino Unido, está a Eden Perfumes, uma fornecedora local de mais de 300 fragrâncias. Quando visitei, em uma manhã de dia útil no final de fevereiro, um cliente havia acabado de entrar para reabastecer um perfume.
Fileiras de dispensers em forma de garrafa estão pendurados de cabeça para baixo em duas das paredes da loja, com fragrâncias prontas para serem testadas.
Uma assistente de vendas me entrega uma tira de papel borrifada com o No 545 da Eden, também chamado de “Shelimars”, uma cópia fiel do meu perfume favorito, o Shalimar da Guerlain. “Se você gosta do Shalimar, também pode experimentar nossa versão do Black Opium da Yves Saint Laurent”, diz ela animadamente, me entregando mais amostras.
Enquanto as cheiro, ela me informa que as fragrâncias são todas veganas e feitas em Brighton; e que a empresa é de propriedade familiar (um detalhe que não tive a oportunidade de verificar, pois a Eden não respondeu ao meu pedido de entrevista).
De volta ao escritório, passo meu pulso sob o nariz de alguns colegas. “Eu sei o que é isso, é o Boudoir da Vivienne Westwood! Usei por anos”, diz um. Na verdade, é o “Boudior” da Eden —a fragrância da Vivienne Westwood foi descontinuada em 2019.
A Eden faz parte de um grupo crescente de empresas que oferecem imitações acessíveis de fragrâncias de luxo, conhecidas como dupes em inglês (ou, como as empresas que as fabricam chamam, “perfumes inspirados”). Na loja Eden, um menu laminado lista fragrâncias por número, família olfativa (floral oriental, floral frutado) e nomes vagamente familiares —”Adore Women” tem as mesmas notas de laranja e rosa do J’adore da Dior (R$ 310,49 em comparação com R$ 901,90, por 100 ml), “Million Dollar Lady” inclui framboesa e neroli como o Lady Million da Rabanne (R$ 221,78, em comparação com R$ 657,94 por 50 ml).
A empresa é clara sobre seu objetivo. “Nossos perfumes inspirados replicam marcas de luxo e são veganos, livres de crueldade e feitos com os melhores ingredientes naturais. Você pode desfrutar de fragrâncias premium que são acessíveis, éticas e sustentáveis”, lê-se em um slogan no site.
As imitações de fragrâncias não são novidade —a L’Oréal iniciou um processo legal contra perfumes réplicas da Bellure em 2007— mas ultimamente mais empresas têm aderido ao negócio, aproveitando a tendência alimentada pelas redes sociais. Existem mais de 25 mil vídeos no TikTok sob a hashtag combinada #perfumedupe e #perfumedupes, onde influenciadores avaliam fragrâncias de imitação e dizem aos espectadores onde encontrá-las.
Não há estimativa disponível para o tamanho do mercado de imitações, mas os consumidores estão abertos a eles. Cerca de 32% dos 4.000 consumidores britânicos pesquisados pelo Barclays no ano passado disseram que estavam comprando produtos inspirados devido ao aumento do custo de vida, sendo as fragrâncias os itens mais procurados.
As imitações são acessíveis hoje. Você não precisa ir a uma loja física em um centro comercial de baixo nível ou em uma parte duvidosa da cidade para encontrá-los. Tudo está disponível pelo mesmo canal —a internet— e, portanto, há essa sensação de legitimidade que não existia há 10 ou 20 anos
Aishwarya Rajpara, analista sênior de pesquisa da Euromonitor, diz que a popularidade desses produtos pode ser vista no crescimento da categoria de perfumes de massa, que inclui produtos de marca própria da M&S e Aldi. Esses varejistas não promovem seus produtos como imitações, mas não precisam: os influenciadores rapidamente os apresentam em vídeos como alternativas às marcas premium.
Algumas empresas de fragrâncias inspiradas cresceram e se tornaram negócios consideráveis. A empresa norte-irlandesa The Essence Vault, que, segundo seu site, oferece “ótimas fragrâncias inspiradas por muitas das marcas de rua”, dobrou suas receitas em 2023 para 30 milhões de libras (R$ 221,7 mi), de acordo com documentos apresentados à Companies House.
A marca americana Dossier, lançada em 2018, é vendida no Walmart e agora está produzindo fragrâncias originais junto com imitações. E a empresa australiana MCoBeauty, que vem vendendo “produtos de luxo a menores preços” desde 2020, foi recentemente adquirida pela farmacêutica DBG Health em um negócio que a avaliou em 1 bilhão de dólares australianos (R$ 3,5 bi).
Ao contrário das empresas que vendem falsificações, os negócios especializados em fragrâncias inspiradas são legalmente legítimos. “O perfume às vezes é comparado a comida ou receitas porque é algo que não é fácil de proteger”, explica Julie Canet, associada da empresa de propriedade intelectual Marks & Clerk.
As marcas podem registrar seu nome e a aparência geral do produto, mas a fragrância em si não se qualifica nem como uma invenção, que permitiria que fosse patenteada, nem como uma obra de arte, que se enquadra na lei de direitos autorais. “As marcas podem manter a receita de suas fragrâncias em segredo, mas se alguém encontrar independentemente um cheiro semelhante, você não pode fazer nada”, continua Canet.
Como a maioria das marcas de inspirados descreve abertamente seus produtos como “interpretações” de um item de marca —em vez de afirmar ser uma cópia exata— e não copiam diretamente frascos ou logotipos, elas geralmente são imunes a processos por violação de marca registrada, mesmo quando se referem a um nome registrado na descrição de seu produto.
“Eles estão explorando uma brecha na lei de marcas registradas que é referida como ‘uso justo nominativo’ do nome, o que significa usar o nome [mas] não como um indicador de origem”, explica Scafidi. “Em marcas registradas, tudo se resume à questão de saber se o consumidor está confuso, e um consumidor que está lendo a mensagem ‘isso cheira como o Black Orchid do Tom Ford, mas não é’ não ficará confuso.”
Então, como essas empresas recriam cheiros famosos? De acordo com Richard Stamelman, professor emérito do Williams College em Massachusetts e autor de “Perfume: Joy, Scandal, Sin” (Perfume: Felicidade, Escândalo, Pecado”), tudo se resume à maneira de “analisar qualquer tipo de cheiro e dividi-lo em seus elementos químicos e ingredientes”, ele explica.
O que é indubitavelmente mais difícil é acertar o equilíbrio entre os ingredientes mencionados, ele diz: “Os perfumes têm uma arquitetura —eles têm uma nota de topo ou nota de cabeça, uma nota do meio ou nota de coração, e uma nota de base ou nota de alma. A composição precisa estar equilibrada.”
Ele não se surpreende que eu tenha achado a versão da Eden do Shalimar desagradável, muito alcoólica e pungente. A fragrância faz parte de um grupo de perfumes conhecidos como sulfúreos, que são pesados e geralmente deixam um forte rastro. Isso é causado pelos ingredientes na nota de alma: elementos fortes como incenso, castóreo e almíscar. Esses elementos mantêm o perfume unido, mas em inspirados eles também podem facilmente desequilibrá-lo.
Stamelman duvida que essas marcas possam se dar ao luxo de usar os mesmos ingredientes que as fragrâncias de alto padrão usam, dado os baixos preços de varejo dos produtos. Isso pode influenciar seu equilíbrio olfativo e durabilidade. O concentrado desenvolvido a partir da raiz de íris, conhecido como absoluto de raiz de íris, por exemplo, leva de quatro a cinco anos para se desenvolver. Meia tonelada de raiz de íris produz um quilo do absoluto, que em um momento foi vendido por cerca de US$ 65 mil (R$ 372,1 mil), de acordo com Stamelman.
Os melhores ingredientes sintéticos, que agora são comumente usados em fragrâncias de luxo, também são caros e geralmente patenteados pelas grandes empresas químicas que os criam, como International Flavors & Fragrances, Firmenich e Givaudan.
Apesar da ubiquidade das imitações de fragrâncias, organizações da indústria e até mesmo marcas não parecem excessivamente preocupadas com seu impacto na participação de mercado. “As empresas normalmente são muito rápidas para abordar questões com organizações comerciais. Não recebemos no passado nem agora qualquer pedido de ação a esse respeito”, diz o executivo de uma grande associação de fragrâncias, que só falaria sob condição de anonimato.
As marcas estão muito mais preocupadas com mudanças nas regulamentações. “Muitos perfumistas estão reformulando fragrâncias existentes para aderir a novos padrões. Isso tem um impacto maior no seu balanço do que as fragrâncias inspiradas.”
A suposição amplamente aceita é que os clientes interessados em fragrâncias “inspiradas em” não são os mesmos que compram os perfumes originais de alto padrão. “O mercado de perfumes de luxo em 2023 foi de US$ 12,6 bilhões (R$ 72,1 bi) e estima-se que até 2032 subirá para US$ 20 bilhões (R$ 114,4 bi)”, diz Stamelman. “É um grande mercado. Se os inspirados algum dia vão cortar isso, eu duvido.”
Mas, ele reconhece, “os preços dos perfumes são exorbitantes.”