Uma organização resolveu criar uma lista com as 100 melhores cafeterias do mundo. Divulgaram o resultado no mês passado. Logo a notícia correu o mundo como sendo algo oficial, um ranking definitivo com os melhores estabelecimentos do planeta.
Vamos aos fatos. Primeiro, não houve transparência sobre quem está por trás do prêmio. Além da lista de patrocinadores, não há nenhuma informação sobre qual entidade organizou a premiação.
Ao analisarmos o ranking, vamos que, no topo, só aparecem cafeterias de países não-produtores. Austrália, Estados Unidos e Europa dominam a lista.
Ao fim, nas últimas colocações começam a aparecer os patinhos feios. Países com cenário de cafeteria considerado muito pequeno para figurar em partes mais nobres do ranking. É aí que aparece o Brasil (na 92ª colocação, com a paulistana Cupping Café).
É claro que existem lugares com cenário de cafeterias mais sofisticado do que outros. Mas causa estranheza o fato de o Brasil, maior produtor do mundo, ser praticamente ignorado –preterido por vizinhos, como Venezuela e Argentina, com mais menções no ranking. A Colômbia também só aparece uma vez na lista, mas em décimo lugar.
Esse direcionamento para o eixo EUA-Europa-Austrália começa na escolha dos juízes-chefe. Havia um juiz exclusivamente para cuidar da costa leste da América do Norte. A Europa também foi dividida, para que pudesse ser melhor analisada, tendo um juiz-chefe para cuidar do leste e outro do oeste. Em compensação, havia apenas um juiz-chefe para toda a América do Sul.
Parece, pois, ou algo intencionalmente direcionado –para alcançar um resultado previamente determinado– ou apenas preguiçosamente malfeito.
Mesmo entre as cafeterias sul-americanas escolhidas pelo ranking, há certa estranheza com alguns dos estabelecimentos indicados. Não que não sejam ótimas cafeterias, mas parecem um pouco descoladas das análises de quem realmente conhece a fundo os cenários locais.
- Se quiser conhecer cafeterias para tomar bons cafés gelados em São Paulo, veja a seleção na galeria de imagens abaixo:
Esses juízes realmente vieram analisar com calma as cafeterias brasileiras? Ou só deram uma pincelada em meia dúzia para escolher apenas uma para preencher a cota? Em um post no Instagram, a premiação disse ter “viajado para os lugares mais remotos do mundo”. Será?
De fato falta qualidade nas cafeterias brasileiras? Ou o cenário daqui foi apenas inviabilizado por um prêmio que já partiu de premissas equivocadas, focadas em partes específicas do mundo?
Dito isso, reconheço que listas e rankings em geral atraem críticas, acusações de omissão e frequentemente cometem injustiças. Faz parte do modelo.
Mas, ao ser direcionado a um resultado específico desde antes da avaliação dos estabelecimentos, o prêmio reproduz um raciocínio do século 19, de que o Brasil é um mero latifúndio cafeeiro, que cultiva grãos de qualidade mediana para abastecer o comércio global, sem qualquer expertise ou capacidade de torrar seu próprio café e servi-lo de maneira adequada pelas mãos de baristas competentes.
Segundo esse raciocínio ultrapassado e ignorante, o Brasil só serve pra cultivar. Quem sabe torrar e servir são Europa e Estados Unidos.
Esse foi o primeiro ano do ranking. Um bebê que nasceu com cara de 200 anos. A ver se corrige o rumo nas próximas edições, se houver. Caso contrário, continuará sendo uma lista do clubinho de/para EUA-Europa-Austrália.
Acompanhe o Café na Prensa também pelo Instagram
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.