O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, diz à Folha que a liberação de R$ 12 bilhões de recursos bloqueados do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para os trabalhadores que foram demitidos, mas tinham optado pelo saque-aniversário, será pontual e não abrirá precedente no futuro.
Marinho avalia que a modalidade de saque-aniversário tem tudo para minguar com o novo consignado privado, a ser lançado após o Carnaval. Para ele, a medida vai proporcionar que o trabalhador tenha uma alternativa e saia da “ilusão” do saque-aniversário.
Os trabalhadores receberão em sua carteira digital uma informação estimulando o trabalhador a não aderir. Mas o ministro diz que o debate sobre o fim do saque-aniversário acabou e não haverá mais mudanças nessa modalidade criada pelo governo Bolsonaro.
“Saiu da mesa”, diz. O ministro chamou de “imbecilidade” a crítica de que a liberação do FGTS vai atrapalhar o trabalho do Banco Central de controle da inflação, ao injetar mais dinheiro na economia.
Em resposta à reação negativa do setor da construção, ele afirma: “Não serão R$ 12 bi que vão criar um problema para a construção civil e a sustentabilidade do FGTS.”
Segundo o ministério do Trabalho, 134 milhões de trabalhadores têm conta no FGTS atualmente. Um total de 37 milhões com conta ativa escolheram o saque-aniversário e cerca de 25 milhões deram seu saldo de FGTS em garantia aos bancos em operações de crédito de antecipação.
A liberação do FGTS surpreendeu a todos. Quais as razões para o governo adotar a medida?
Surpreendeu a todos quem? Porque esse pessoal está me cobrando há dois anos. São 12,1 milhões de pessoas. Estavam o tempo todo pedindo, pelo amor de Deus, para tomar uma providência. [Falando] que eles entraram numa armadilha, que não sabiam, porque não foram informados de que em caso de demissão não podiam receber o FGTS. Não tem nenhuma outra motivação. Eu ouvi alguns falando que tem a ver com a popularidade do Lula, que tem a ver com não sei o quê. Não tem absolutamente nada. Tem a ver com o direito legítimo de pessoas que, se for verdade, o que elas dizem, foram enganadas. É a correção de uma injustiça.
Foram enganadas na hora de fazer o contrato de adesão ao saque-aniversário? O sr. pode explicar melhor?
Na hora em que eles fizeram o contrato, segundo eles, não foram informados. Provavelmente estava lá naquelas letrinhas bem pequenininhas que ninguém lê nos contratos. Dos 12,1 milhões de pessoas, 2,5 milhões não anteciparam [não contraíram o empréstimo com garantia do saque-aniversário]. O que alienou vai ter que deixar a parcela correspondente à alienação para cumprir a obrigação. Alguém que tem R$ 20 mil, por exemplo, de saldo na sua conta, mas antecipou R$ 5.000, esses R$ 5.000 ficarão retidos para pagar as parcelas, e receberá o saldo restante que lhe pertence. É isso que a medida provisória trará.
A liberação surpreendeu porque o sr. era contra o saque-aniversário…
Sou contra e continuo.
Especialistas acham que essa decisão vai acabar estimulando mais pessoas a aderir ao saque-aniversário esperando que haja uma nova liberação. Não existe esse risco?
Não vai estimular porque a sistemática será mantida [de carência de dois anos para ter acesso ao fundo se for demitido]. Os trabalhadores receberão em sua carteira digital uma informação estimulando a não aderir ao saque-aniversário. Ele também vai ter à disposição o consignado privado do eSocial, que vamos lançar logo depois do Carnaval. É para ter o crédito tão barato quanto o sistema saque-aniversário.
Mas a diferença é que no saque-aniversário o trabalhador não precisa comprometer a renda do salário porque já está lá no dinheiro do fundo…
Só que ele compromete a renda futura, meu bem.
O sr. acha que ele vai se conscientizar disso?
Presta atenção, 53% dos correntistas do fundo, sem ter o crédito do novo consignado, não aderiram porque têm consciência de que, ao fazer, estão queimando a sua poupança que lhes protegerá no infortúnio do desemprego. O problema é que muita gente propagandeia a visão neoliberal contra o FGTS, que era a visão do Paulo Guedes [ex-ministro da Economia], de acabar com o fundo e entregar tudo para os bancos. O que nós estamos fazendo é corrigir essa injustiça. Tá bom, você não sabia? Então, o governo vai propiciar que você receba agora. Agora, saia dessa ilusão.
O setor da construção civil reclamou da liberação. Mas os números do fundo mostram que ela não foi prejudicada?
Ela não foi até agora. O que tem comprometido no saque-aniversário é na ordem de R$ 100 bilhões. Poderia ter R$ 100 bilhões a mais de lastreamento para mais construção do que nós contratamos. Por isso, em tese. Agora, eu tranquilizo o pessoal dizendo o seguinte: não serão os R$ 12 bilhões que vão criar um problema para a construção civil e para a sustentabilidade do fundo.
Eles têm consciência disso. O que eles registram e militam fortemente é que não seja uma prática. O medo deles é é enfraquecer o fundo, se continuar. Nisso, eles têm razão. Por essa razão, estamos dizendo: é uma liberação pontual. A partir daí, nós vamos lançar o crédito consignado social. Portanto, as pessoas terão crédito alternativo e poderão migrar para lá.
Por que o novo crédito consignado será importante?
Se a gente não criasse o consignado social, com essa medida poderia induzir a mais gente aderir ao saque-aniversário. Nós estamos criando uma alternativa para as pessoas ao necessitar de acesso a um crédito barato, e não ter que pagar 6%, 7%. Tem banco que cobra 10% ao mês o crédito pessoal.
Com taxas mais baratas do consignado privado, o sr. acha que automaticamente o saque-aniversário vai minguar?
Tem tudo para minguar, porque ele protege o fundo. Ao mesmo tempo, a pessoa pode ter crédito e pode preservar o fundo para o desemprego. E não entrar nessa armadilha. É isso que os bancos inclusive insistiram. Mantenha os dois em vigor, até fazer a transição. Não se sabe a velocidade do consignado a ser implantado. Eu acho que vai ser muito rápido. O fim do saque-aniversário não está em debate. Acabou o debate, não tem mais. Saiu da mesa.
Por que o senhor acha que ele vai perder força?
Vai perder força porque é muito mais vantajoso [o novo consignado] na minha avaliação. São 47 milhões de pessoas, inclusive a empregada doméstica, que poderão ter acesso. Temos hoje 4 milhões de pessoas com crédito consignado privado. Tem também do crédito pessoal. Esse pessoal vai poder migrar. Agora, essa migração obrigatoriamente terá que ser numa taxa inferior que ele está pagando. Vai ter uma briga entre bancos aqui para menor taxa. O banco que oferecer a menor taxa é que vai levar o cliente, o trabalhador.
A política de liberação de recursos do FGTS vai atrapalhar a política do Banco Central de controle da inflação?
Isso é uma imbecilidade, porque eu nunca vi alguém reclamar que o trabalhador tem a condição de comer bem, de vestir bem, ter o dinheiro que é seu. Nós estamos falando de 12 milhões de pessoas que estão prejudicadas, discriminadas, sacaneadas por uma lei.
RAIO-X
Luiz Marinho, 64
Formado em direito, foi metalúrgico nos anos 1970, quando conheceu o presidente Lula. Em 1996, foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, cargo para o qual reconduzido mais duas vezes (1999-2002 e 2002-2003). Deputado federal eleito, já foi ministro do Trabalho de 2005 a 2007 e da Previdência de 2007 a 2008. Comandou a Prefeitura de São Bernardo do Campo por dois mandatos.