O que vai acontecer caso o presidente americano, Donald Trump, cumpra a promessa de taxar em 200% as bebidas alcoólicas europeias? Quais seriam as consequências disso para nós, pobres mortais consumidores brasileiros?
Trump é falastrão. Não dá para saber quais ameaças deve cumprir. Assim como Jair Bolsonaro, lança absurdos ao ar para fazer cortina de fumaça. Steve Bannon, consultor de ambos (informal no caso do brasileiro), já declarou que a imprensa é o inimigo e que essa só consegue lidar com um grande fato por vez, então, a tática é soltar trocentas informações dignas de manchetes por dia e, assim, atordoar o inimigo.
Certamente, Trump não vai anexar o Canadá nem a Groenlândia. No entanto, não dá para ter tanta certeza de que não cumprirá (pelo menos por um tempo) a ameaça de cobrar 200% de imposto de importação sobre vinhos, champanhes e outras bebidas alcoólicas de origem europeia. Essa medida faz parte de uma guerra comercial contra o mundo que ele deflagrou logo nos primeiros dias de seu segundo mandato.
Trump ameaça taxar as bebidas europeias em 200% porque a União Europeia criou um imposto de 50% sobre o uísque americano (a valer a partir de 1 de abril). Esse imposto, por sua vez, é uma retaliação dos europeus aos 25% de imposto sobre o alumínio e o aço que entrou em vigor no dia 12 deste mês.
Se de fato ele for instituído, os americanos podem dar adeus aos brunellos, barolos, bordeaux, borgonhas, champanhes e conhaques. Podem esquecer, inclusive, vinhos mais baratos como os chianti ou os riojas crianza. Esse imposto praticamente inviabilizaria a importação de qualquer goró vindo da Europa. O uísque escocês, por enquanto, ainda estaria seguro, já que o Reino Unido não faz parte da União Europeia.
Para boa parte dos produtores de vinho da França, da Itália, da Espanha ou mesmo de Portugal, isso seria uma desgraça. Os Estados Unidos são os maiores importadores de vinho do mundo. Só de Champagne, eles importam cerca de US$ 1 bi em garrafas por ano. O mero anúncio do possível imposto derrubou as ações de alguns dos maiores grupos de bebidas europeus como o LVMH e a Pernod Ricard.
Muitos dos pequenos produtores que visitei na Europa ou com quem tive contato por aqui dizem vender 70% ou 80% de sua produção para os Estados Unidos. Depois deles (e em alguns casos logo antes), costumam vir o Reino Unido, a Alemanha e a Ásia. Essa gente vai ter de se reinventar. Ou vai fechar as portas.
Por outro lado, para uma série de importadores e negócios de venda de vinhos de todos os tamanhos nos Estados Unidos, isso também poderia significar a falência. O descaminho (importação ilegal), com certeza, cresceria e daria muito dinheiro para o crime organizado. Vejamos se Trump banca esse truco. Acho um pouco difícil.
Se bancar, no entanto, para os brasileiros será até bom. Vamos ver com dor no coração alguns produtores queridos desaparecerem. Porém, antes que isso aconteça, eles vão oferecer uma série de vantagens a outros mercados importantes.
O Brasil, embora tenha um baixo consumo per capita (cerca de 2,4 l/ano), tem uma população enorme. Então, acaba sendo um dos mercados principais do mundo. Em 2023, segundo a OIV (Organização Internacional do Vinho), consumimos 4 milhões de hectolitros, ficando na 14ª posição no mundo em termos de volume. Somos um mercado ainda melhor quando se trata de vinhos de luxo. Então, a Europa certamente virá bater na nossa porta com ótimas ofertas.
Os importadores americanos, por sua vez, terão de buscar novos fornecedores, mesmo porque a produção de vinhos dos Estados Unidos não dá nem para o brinde de entrada dos ávidos consumidores do país. Chile, Argentina, África do Sul e Austrália farão a festa. Certamente, sobrará várias boquinhas para o Brasil. Especialmente, para nossos espumantes. Pelo menos durante o período em que essa taxa durar, ou seja, até o poder econômico americano decidir que está farto de se privar do seu champanhe.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.