Há cerca de um ano, o mercado de trabalho dos EUA passava por uma calma inquietante: poucas pessoas perdiam seus empregos ou pediam demissão, mas também não havia muitas ofertas de emprego para aqueles que estavam atrás de um trabalho.
As demissões em massa agora em andamento em todo o governo federal do país, juntamente com os funcionários que estão voluntariamente saindo, podem perturbar esse equilíbrio instável.
Embora o desemprego esteja relativamente baixo, em 4,1%, aqueles que estão perdendo seus cargos podem enfrentar dificuldades para encontrar trabalho, dependendo de quão bem suas habilidades se traduzem para um setor privado que não parece ansioso para contratar.
“Servidores federais em todo o país estão começando a procurar (trabalho), e isso está impactando pessoas em todos os lugares”, afirmou Cory Stahle, economista da plataforma de busca de empregos Indeed. “É difícil pensar que isso não vai testar o mercado de trabalho nos próximos meses.”
Ante da administração Trump, o governo dos EUA empregava cerca de 2,3 milhões de civis. Não está claro quantos desses serão cortados e quantos recuperarão seus cargo após os processos judiciais sobre essas demissões serem resolvidos nos tribunais.
Mas o impacto do ritmo em que os gastos do governo estão sendo reduzidos, juntamente com as instruções do escritório de orçamento da Casa Branca para que as agências cortem ainda mais, pode ser significativo.
“As demissões no lado do governo são reais”, disse Thomas Barkin, presidente do Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA) em Richmond, na Virgínia, em um evento no final do mês passado. “Está acontecendo.”
Gregory Daco, economista-chefe dos EUA no escritório de contabilidade EY-Parthenon, estima que, no caso mais extremo, 1 milhão de empregos poderiam ser cortados no total. Essa estimativa assume que 500 mil contratados do governo sejam demitidos ao lado de 250 mil trabalhadores federais e outros 250 mil em perdas de empregos nos níveis estaduais e municipais. Tal redução exerceria um impacto cumulativo no PIB de até 1% ao longo do tempo, comentou Daco.
Outras estimativas sugerem que o impacto pode ser menor. Michael Pugliese, economista sênior do Wells Fargo, disse que as demissões federais apresentariam “apenas um pequeno obstáculo ao crescimento econômico mais amplo” nos próximos meses.
O impacto dependerá de quantos desses trabalhadores serão absorvidos em outros locais e quão rapidamente. Suas perspectivas variam amplamente com suas habilidades, indústrias e disposição para se mudar.
A Chmura Economics & Analytics, uma empresa de pesquisa de mercado de trabalho, analisou a provável distribuição de trabalhadores em período probatório demitidos, que foram os primeiros alvos. Suas chances tendem a ser melhores em cidades maiores do que em áreas rurais.
Na primeira rodada de demissões anunciadas, havia 718 vagas abertas para cada trabalhador recentemente contratado demitido na área metropolitana de Baltimore, por exemplo, e apenas três no condado de Oglala Lakota, na Dakota do Sul.
Encontrar uma vaga aberta com os requisitos de habilidades certos pode tornar a procura mais desafiadora. Na área metropolitana de Washington, em meados de fevereiro, havia 11,6 mil vagas para especialistas em operações de negócios, mas apenas 106 para examinadores fiscais e uma para inspetor agrícola.
Nem todos terão dificuldade em encontrar um novo emprego. Em qualquer mercado, aqueles que foram afastados de funções na área de saúde —cerca de 16% da força de trabalho federal, de acordo com uma análise do Pew Research Center— provavelmente encontrarão muitas opções. A mesma situação deve se estender para pessoas com experiência avançada em tecnologia, que o governo federal vinha focando em contratar nos últimos anos.
Uma dos trabalhadoras agora desempregadas é Fardous Sabnur, uma cientista de dados recém-formada que se juntou ao IRS (serviço de Receita dos EUA) no verão passado (inverno no Brasil). Ela pensou que seria um emprego estável com benefícios que ficariam bem em seu currículo. E ela sentiu que poderia fazer algo de bom no mundo, aplicando técnicas de aprendizado de máquina e inteligência artificial para facilitar a declaração de impostos.
Desde que foi demitida há algumas semanas, Sabnur afirmou que tem feito entrevistas todos os dias e espera conseguir um emprego em uma grande empresa, como um banco de investimentos. Ainda assim, a transição para fora do serviço federal é agridoce.
“Tenho perspectivas muito fortes e não será difícil para mim encontrar algo novo”, comentou Sabnur, que mora em Nova York. “Mas quando entro nessas empresas, sei que meu trabalho não terá tanto valor na sociedade quanto tinha no IRS.”
O futuro parece mais incerto para aqueles cujas funções eram muito específicas do governo e cujos campos foram dizimados pela repressão da administração Trump às agências federais. Isso inclui a Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional).
Os Estados Unidos eram a maior fonte global de ajuda externa, e o cancelamento de milhares de contratos forçou demissões em massa entre as empresas que dependiam deles, deixando seus trabalhadores sem opções de trabalho com uma missão semelhante.
Wayan Vota, que foi demitido de sua empresa financiada pela Usaid no final de janeiro, chama isso de “evento de extinção” para o setor. Para ajudar os trabalhadores da ajuda a seguir em frente, ele iniciou um boletim informativo no Substack voltado para ajudar profissionais de desenvolvimento internacional a reformular seus currículos e traduzir suas habilidades para empresas privadas.
Muitos têm habilidades em gerenciar cadeias de suprimentos complexas em países instáveis, o que poderia ser útil para grandes varejistas.
“Acho que alguém que tem levado medicamentos para o HIV a clínicas rurais em Moçambique tem todas as habilidades, e mais algumas, para colocar caixas de cereais nas prateleiras do Walmart”, disse Vota, 52 anos, que mora em Chapel Hill, na Carolina do Norte.
Mesmo para aqueles que trabalham em campos menos específicos —como fiscalização financeira ou ambiental— a agenda de desregulamentação da administração Trump pode reduzir novas oportunidades de emprego.
Exigir menos estudos sob a Lei Nacional de Política Ambiental ou a Lei de Controle de Substâncias Tóxicas, por exemplo, significa menos trabalho para as empresas de consultoria técnica que os realizavam.
Cientistas que perderam seus empregos também enfrentam um duplo golpe: as instituições de pesquisa acadêmica também dependem fortemente de subsídios federais, que a administração Trump tentou reduzir por meio de cortes na Fundação Nacional de Ciências e nos Institutos Nacionais de Saúde. As universidades já estão reduzindo a admissão de novos estudantes de doutorado.
E enquanto o governo emprega muitos advogados, o mercado jurídico está sendo inundado por profissionais. Escritórios de advocacia muitas vezes valorizam advogados com experiência governamental, que aconselham clientes sobre conformidade e como lidar com investigações federais. Mas se a nova administração reduzir a supervisão, como prometeu, esses escritórios podem ter dificuldades para manter seus advogados ocupados.
Karen Vladeck, uma recrutadora jurídica independente, recentemente doou algum tempo para manter uma lista de empregos disponíveis para advogados que estão deixando o serviço federal —alguns involuntariamente, e outros porque veem o que está por vir.
“Realmente tivemos uma bolha estourando na força de trabalho jurídica federal”, avaliou Vladeck. “O que as pessoas estão subestimando é que não são apenas as pessoas que já foram demitidas. Há pessoas procurando sair de qualquer maneira.”
Os cortes de empregos podem ser particularmente difíceis para os quase 30% dos trabalhadores federais que são mais velhos. Eles frequentemente desfrutam de preferências no processo de contratação federal que podem não estar disponíveis no setor privado.
Ross Dickman, CEO da Hire Heroes, uma organização sem fins lucrativos de emprego para veteranos, disse que sua equipe viu mais velhos desempregados procurando ajuda este mês do que há um ano. O tempo que eles passam sem empregos também aumentou. Alguns deles encontraram trabalho em posições de campo que podem ser difíceis de substituir.
“Estou mais preocupado com veteranos ou cônjuges militares que vieram de campos de carreira nas forças armadas que já tinham desafios de transferibilidade”, disse Dickman. “Se você era da infantaria da Marinha e depois trabalhou no serviço florestal, nem sempre há muitas funções no mercado aberto ao longo dessa trajetória de carreira.”
Há um ponto positivo para os funcionários federais: governos estaduais e locais muitas vezes precisam de pessoas com experiência semelhantes. Estados como Havaí, Maryland, Virgínia e Nova York têm anunciado suas vagas disponíveis. Uma nova plataforma, Civic Match, trabalhou com mais de 4.000 ex-trabalhadores federais, buscando conectá-los a funções abertas em 124 cidades e 41 estados.
Mas a fundadora da Civic Match, Caitlin Lewis, disse que alguns desses empregadores do setor público estão enfrentando incertezas sobre seus próprios orçamentos, dado o corte de custos imprevisível em Washington.